Hoje venho conversar com uma autora nacional bem conhecida da comunidade dos blogues e instagrams literários. Há mais de 10 anos que tem um blogue literário e lançou o seu primeiro livro em 2011, uma fantasia, que acabou por ser uma trilogia. Mais recentemente editou pela Coolbooks, Maresia e Fortuna. Hoje a minha conversa é com a Andreia Ferreira.
Olá, Andreia desde já quero agradecer a oportunidade de a entrevistar.
Ora essa! Eu ando por aqui, entrar em contacto comigo é super fácil! Apesar de ser uma esquecida quando me pedem entrevistas escritas, estou sempre recetiva a conversar com leitores e potenciais leitores.
Soberba Escuridão foi o seu primeiro livro. Como surgiu a ideia para o enredo?
O Soberba Escuridão começou por ser um capítulo apenas. Quando eu era mais novita, acontecia-me ter receio de adormecer e de receber visitas de sobrenaturais durante a noite. O primeiro capítulo trata exatamente a exploração desse medo de infância.
Depois, em meados de 2009 e 2010, surgiu uma moda de fantasia. Rapidamente, disseminou-se a ideia de que os monstros podiam ser nossos amigos. Nestes novos enredos, os vampiros, os lobisomens, os demónios, estavam muito humanizados.
Ora, fortemente inspirada em Anne Rice, e noutros autores que nos presenteavam com a fantasia original (cruel e dura), nasceu o soberba escuridão.
Criou toda uma trilogia em redor esta história. Foi algo devidamente planeado, ou que aconteceu com decorrer da história?
Quando concebi o Soberba Escuridão, mais ou menos a meio da narrativa, descobri como é que queria que ele acabasse. Nessa altura, ainda muito verde nisto da escrita, ia escrevendo ao sabor da imaginação, sem planear muito. Isso mudou no Soberba Tentação e, aí, implementei muitos esforços para que as pontas soltas ficassem todas fechadas no último volume.
Segundo vi no seu instagram, está a trabalhar numa nova edição desta trilogia. Haverá coisas novas, ou é mesmo apenas uma reedição?
Nada disso… e mais ou menos isso. Então, esta reedição está a ser totalmente reescrita. Capítulos inteiros foram obliterados, outros foram acrescentados, cenas foram aumentadas e outras cortadas. Contudo, a essência mantém-se. Não alterei o rumo da história, mas tenho trabalhado muito o texto.
Mais recentemente lançou um novo livro, Maresia e Fortuna, de um género completamente diferente. A Fantasia é algo já do passado, ou ainda é algo que a apaixona?
O Maresia e Fortuna é inspirado num clássico grego. Apesar de não ser tão visível a parte fantástica, ela também está lá: em forma de catarse, impulsionada por uma profecia.
Talvez não me veja a escrever mais sobre vampiros, anjos e demónios, mas todos os meus livros vão ter uma componente espiritual, digamos, talvez, sobrenatural. Ainda que não como tema central.
Como é que surgiu a ideia para a história da Júlia e do Simão?
Eu já conheci algumas Júlias ao longo da minha vida. Mulheres insatisfeitas, viciadas em paixão, sem controlo sobre o seu emocional e com tendência para mergulharem de cabeça nos impulsos. A Júlia é uma mulher a quem foram impostas regras num campo onde não devia existir interferência: no amor. Os seus comportamentos face a essa intransigência levaram a que ela se perdesse de si mesma, sendo incapaz de gerir as suas próprias emoções. A paixão, que podia ser saudável e vir a dar lugar a um amor pacífico, dá as mãos à adrenalina e à luta. De repente, a Júlia não sabe viver sem isso, não sabe como desfrutar de uma relação sem percalços.
O Simão é aquele que se apaixona por alguém assim, e que vai sofrer com isso… sempre.
Até que ponto te inspiras no quotidiano e nas pessoas que te rodeiam para a criação das personagens?
A minha inspiração é a própria vida, são as pessoas que eu vejo na rua, que conheço, com quem me cruzo. A minha inspiração são as emoções a que assisto em mim e nos outros, exploradas através de vários pontos de vista.
As personagens deste livro têm muitas camadas, e estão bem estruturadas. Existe esse processo de conceção das personagens, de esquema das ações que vão decorrer, ou é algo que vai construindo à medida que vai escrevendo?
Sinceramente, eu tentei. Li num livro de escrita criativa uma técnica que consistia em criar uma ficha biográfica para cada personagem. No fim, acabei por ignorar completamente essas fichas. Quando uma personagem me surge, é como se fosse uma pessoa que conheço. As ações que eles tomam não são, de facto, escolhidas por mim, mas por eles. É difícil de explicar, é como se eu fosse uma mera espectadora a descrever o que eles sentem e o que eles fazem. Sinto que não sou eu que tomo as decisões.
A sua vida profissional está ligada à advocacia, nunca pensou em pegar nesse mundo para criar uma história?
O meu mundo na advocacia começou há relativamente pouco tempo. Ainda estou na fase de estágio, mas, sim, já tenho tido contacto com algumas histórias que podem ser adubo para futuros livros. Contudo, desenganem-se. O nosso Direito em Portugal não é como o americano. Aqui, as audiências de julgamento não permitem os acessos de raiva e o drama que vemos nos filmes. Se há inspiração nesta área, está na vida das próprias pessoas e não no Tribunal em si.
Já publicou em editoras tradicionais e vanity. Qual a maior lição que retirou de todo o processo?
Iniciei-me numa vanity press. Não recomendo. Aliás, invisto esforços para desencorajar os autores a apostarem nestas “editoras”. Nunca fui maltratada, mas não deixou de ser um negócio em que fiquei a perder. Quanto à forma tradicional, ainda não cheguei aí, não da forma como quero. A chancela que publicou o meu maresia e fortuna tem venda exclusiva online, pelo que ainda não senti o prazer de ver os meus livros espalhados pelo país fora, em todos os postos de venda. Talvez, um dia… O meu conselho é que analisem muito bem o mercado. Tentem estudar os comportamentos dos autores, antes de decidirem por uma editora. Se virem um autor a esfalfar-se para promover os livros, é porque alguma coisa não está bem.
Que importância para si a opinião dos leitores?
Os leitores são o motivo pelo qual escrevo. A opinião deles é muito importante para mim. Contudo, tendo noção de que “nem Deus, que foi Deus, agradou a toda a gente”, não posso acatar tudo o que “ouço” acerca dos meus livros. Eu sou a minha primeira leitora e se eu gosto da minha história, muito dificilmente me deixo ir abaixo com comentários menos bons.
No entanto, é importante pesar o que é dito sobre os livros numa balança. Se há mais comentários negativos do que positivos, o escritor tem de ter a humildade para reconhecer que tem de explorar outras perspetivas.
Não se consegue agradar a todos os leitores. Como se lida com críticas menos positivas por parte dos leitores?
As críticas negativas magoam. Claro que sim! Ao longo dos anos muni-me de uma carapaça para não deixar que a minha determinação me fuja quando vejo algo menos bom. É incrível como uma review negativa se sobressai, mesmo se tivermos umas 10 ou 20 positivas. O truque é mesmo esse: focar a nossa atenção no que foi dito de bom, de forma a que voltemos a levantar a cabeça. Só depois de reconquistada a auto-estima, analisar a review negativa e tentar perceber se há algo de útil que possamos retirar dali.
Que conselho daria a alguém que está a pensar neste momento publicar um livro?
Baixar as expetativas, analisar o mercado, sondar os autores, procurar ler muito sobre escrita criativa. Se o que move esse autor é a paixão pela escrita, que avance nas etapas, mas preparado e consciente de que se avizinha uma temporada de sabores, mas também de dissabores. Não é fácil ser autor em Portugal.
Se tivesse de convencer/incentivar uma pessoa que não a conhecia enquanto escritora a ler um dos seus livros, qual escolheria, e que argumentos usarias a favor da sua obra?
A autopromoção é uma skill que ainda não conquistei. Tenho muita dificuldade em falar sobre os meus livros, de incentivar alguém a lê-los. Falham-me os argumentos, porque eu acho que nada do que direi poderá fazer jus à experiência de embarcar na história e de conhecer em primeira mão o enredo que criei ali.
Posso apenas dizer que não escrevo histórias de amor (apesar de os meus livros terem momentos de paixão e de ternura). Os meus personagens são todos (TODOS) cinzentos. É muito comum que haja quem odeie e ame o mesmo personagem em igual medida, dependendo da capacidade do leitor para criar empatia com seres erráticos.
Não escrevo para pessoas sensíveis à violência. Os meus livros têm muitos triggers e raramente me refreio nas descrições dos momentos mais intensos. (São os que me dão mais prazer de escrever)
Achas que convenci alguém com estes argumentos? Tal como eu disse, ainda tenho de ganhar o jeito para a autopromoção. eheh
Quais são os autores que admira e são para si uma inspiração?
Sou devota ao Rei do terror: Stephen King. Se há alguém “famoso” que eu adoraria conhecer, é ele.
Este homem não escreve apenas terror. Dizer isso é muito vago, face ao que ele cria. Este senhor escreve sobre pessoas e consegue explorar temas difíceis com uma desenvoltura que nos deixa sem chão.
Para não mencionar apenas um, posso afirmar que Jodi Picoult é uma das minhas escritoras de eleição, porque consegue mexer com as minhas emoções e fazer-me duvidar de ideias pré-concebidas sobre determinados comportamentos. É caso para dizer “Everybody hurts, everybody cries, sometimes.”
A Literatura, para mim, são emoções. Um bom autor é aquele que é capaz de me levar a sentir com intensidade as circunstâncias da sua história.
O que nos podes contar sobre os seus projetos futuros?
Neste momento, estou a investir tempo (o pouco que vou tendo) na reescrita da trilogia soberba. Adorava conseguir publicar os três livros num volume só e trazer de volta para os leitores este enredo que adoro.
Depois, tenho um manuscrito em processo há mais de 2 anos. É uma história que fala sobre casamento, sobre o vício dos videojogos, sobre segundos filhos e tem um toque espiritual à mistura. Quem sabe se consigo voltar a pegar nele em breve e dar-lhe corpo.
Os outros projetos são embrionários. Tenho um conto sobre sonhos lúcidos (escrito durante a minha pós-graduação em Literatura e Cinema, na disciplina de Escrita Criativa), que gostava de o conseguir transformar num romance.
Também tenho algumas ideias soltas apontadas sobre testes de parentalidade, heranças e crime.
As ideias vão surgindo, falta é o tempo para me dedicar à construção dos livros.
Desejem-me muitos anos de vida, porque ainda tenho muito para oferecer a quem me quiser ler.
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