Regresso com uma rubrica que gosto bastante, e mantendo o espírito no dia da criança, trago uma entrevista com uma autora de um livro infantil. Com o apelido da cidade Invicta, mas natural de Cascais, Margarida Porto, vive em Vila Nova de Gaia há 3 anos, trabalha como copywriter numa agência de publicidade, publicou até agora dois livros, um deles, um livro infantil, Para onde vão as Meias que Desaparecem?.
Convido-vos a conhecer esta escritora que tem também projetos ligados à comunidade literária.
Olá Margarida, e desde já muito obrigada por aceitares dar esta entrevista para o blogue.
Olá, Liliana. Obrigada eu pelo convite!
Como te descreverias em apenas uma palavra?
A minha gata trata-me por humana. E é aquilo que mais tento ser.
Quais os autores que mais admiras e que mais influenciaram o teu trabalho?
Posso dar alguns exemplos de autores que admiro, como Sophia de Mello Breyner ou Antoine Saint-Exupéry, mas a verdade é que o meu trabalho é sobretudo influenciado pelas personagens que conheço e vivências que tenho na vida real.
Qual é o livro que marcou a tua infância?
É difícil dizer um livro que tenha marcado a minha infância, pois gostava de muito de ler. Tive o privilégio de poder ter toda a coleção da Anita de Gilbert Delahaye e Marcel Marlier, sendo o meu preferido o “Anita na Floresta”. Para além disso, devorava a coleção de banda desenhada da “Turma da Mónica” de Maurício de Sousa. Por último, era fascinada pela coleção de “Dicionário por Imagens”, que considero até hoje serem dos melhores livros para se oferecer a uma criança.
A tua última obra é “Para Onde Vão as Meias Que Desaparecem?”, de onde veio a inspiração para a escrever?
Na verdade, nunca pensei em escrever um livro infantil. A ideia surgiu depois de ser desafiada a participar no concurso do Pingo Doce e levei meses até perceber sobre o que queria escrever. Até que, um dia, estava a estender roupa e deparei-me com o dilema: mais uma meia que tinha desaparecido.
Nesse momento, distraí-me com o telemóvel e vi uma story da Capicua a perguntar para onde raio é que iam as meias, e fez-se o clique. Era sobre isso que tinha de escrever. Depois de escolher o tema, foi fácil escrever porque lembrei-me imediatamente da minha bisavó Alzira, que tricotava meias para toda a família. Tornei-a na avó Alzira da história, e fui criando as outras personagens e as suas pequenas histórias, inspirada em pessoas da minha família e experiências que tive.
Sendo os livros infantis destinados ao público que não compra os seus próprios livros, quais são as características que têm de ter para cativar o olhar de um adulto?
Acho que o que mais cativa o olhar de um adulto é o título e as ilustrações. Pois é também isso que vai prender o olhar de uma criança. Logo de seguida, o facto de se identificarem ou não com a história. Mas eu só comecei esta viagem no mundo dos livros infantis há pouco mais de dois anos, ainda não posso dizer com certezas.
Os contos infantis acabam por ainda estar muito ligados aos grandes clássicos dos irmãos Grimm, entre outros, ou é uma mentalidade que está a ser mudada?
Sinceramente, nunca senti isso. Nem quando era criança. Acho que a literatura infantil está cada vez mais diversificada e que as crianças ainda conseguem ser o público mais exigente. Se uma história não os cativa, simplesmente descartam. Claro que os clássicos continuam cá, mas não acho que sejam predominantes sobre o resto.
Qual achas que é o papel da literatura infantil na possibilidade de aquela criança ser uma futura leitora?
Mais do que a literatura infantil, acho que o incentivo a hábitos de leitura em criança é o que mais contribui para que esta cresça a gostar de ler. Mas, para isso, tem de gostar do que lê. A partir do momento em que é obrigada a ler um livro, sem gostar do que está a fazer, podemos estar a fazer o contrário. É aqui que a oferta de literatura infantil faz toda a diferença. Quanto mais diversificada, maiores serão as possibilidades daquela criança encontrar um livro de que goste e com que se identifique.
Os jornais, ano após ano, relatam que os portugueses leem pouco. Qual achas ser a razão para isso?
Eu não acho que os portugueses leiam pouco. Acho que podem ler poucos livros, mas ler pouco, duvido. Simplesmente, com as tecnologias e tantos estímulos que temos hoje em dia, as pessoas no geral acabam até por ler muito e sobrecarregar a mente com informação: posts nas redes sociais, artigos de blog, notícias online, até memes! A questão é que este tipo de leitura aliena as pessoas de querer ler mais, ou até de serem mais seletivas naquilo que leem.
O que eu sinto é que as pessoas estão a desligar-se de livros que contam uma história para preferirem ler livros que os ajude a escrever ou reescrever a sua própria história: os livros de auto-ajuda. Acho que as pessoas procuram cada vez mais informação que lhes seja útil e menos entretenimento em forma de palavras, porque isso já têm em demasia fora de um livro.
E como será possível ultrapassar este problema?
Não lhe chamaria um problema. Prefiro olhar para isto como uma mudança de tendências. E acho que, para dar a volta a isso, temos primeiro de compreender os porquês das escolhas dos leitores. Só a partir daí é que é possível chegar a alguma conclusão, se houver.
Publicaste de forma independente os teus dois livros, quais são as vantagens e desvantagens deste modo de publicação?
Pessoalmente falando, a maior vantagem de ter publicado os meus livros como autora independente foi a enorme aprendizagem que tenho retirado da experiência de fazer tudo “pelas minhas próprias mãos”. Isto trouxe-me um outro olhar, mais atento, sobre o mercado editorial, que me permitiu identificar com mais clareza alguns pontos que precisam (muito!) de evoluir em Portugal.
Mas, falando de coisas mais práticas, as vantagens de publicar de forma independente consistem, no meu ponto de vista, numa maior liberdade para fazeres aquilo que queres e bem entendes com o teu livro (seja na sua edição, seja a nível de pricing ou marketing), o lucro das vendas ser exclusivamente para ti (que, no meu caso, consiste em cerca de 50%/60% e não apenas uma comissão de 10%) e poderes escolher os teus parceiros/distribuidores, sem necessitar de aprovação de uma editora.
Para mim, o maior desafio é a distribuição. A única desvantagem que vejo é mesmo ser praticamente impossível chegar a FNAC’s, Bertrand’s e similares, porque depois há todo um mundo de livrarias independentes e até lojas locais que são bastante mais abertas a negociar diretamente com os autores.
Quais são as características que achas que um autor tem de ter para vingar no mercado literário português?
Acima de tudo, resiliência, paciência e perspicácia. Para vingar no mercado, primeiro precisa de compreender o mercado e, depois, ter a inteligência de aprender a mexer-se nele. Não precisa de seguir o rebanho, mas deve perceber o pastor, por assim dizer. Isto, assumindo que a sua obra tem qualidade.
O teu livro “Para Onde Vão as Meias Que Desaparecem?” foi lançado com a ajuda de mais de 170 pessoas num crowdfunding, como surgiu essa ideia? Conta um pouco sobre a tua experiência.
É uma longa história, mas posso tentar resumir. Publicar uma edição de autor implica um investimento inicial, com um montante que me era totalmente incomportável, na altura. Por isso, decidi fazer um crowdfunding. Sabia que podia não dar em nada, mas não sabia que se podia tornar numa experiência tão intensa. A cada contribuição, o entusiasmo crescia e a possibilidade de realmente concretizar um sonho tornava-se mais real. Acabei por conseguir reunir um montante superior ao que pedi, graças a mais de 170 pessoas que contribuíram com o seu donativo (desde 2€ a 500€!). No dia em que atingi o valor necessário (sem atingir, não recebia nada), desatei a chorar no parque de estacionamento do LIDL. Foi lindo.
Escreveste também um livro de poesia, intitulado de “Eras Tu”. Como achas que a poesia é encarada em Portugal nos dias de hoje?
Infelizmente, acho que não há muitos apreciadores de poesia em Portugal, na nossa geração. Não entendo porquê, visto que temos um crescente interesse em música, cujas letras têm por base a poesia. Mas tenho esperança de que isso venha a mudar.
Estás a trabalhar em novos livros ou projetos? Se sim, o que nos podes contar sobre eles?
Neste momento, estou focada em fazer crescer o meu projeto, no meu site. É um projeto onde pretendo apostar em informação útil, transparente e estudada para apoiar a comunidade literária, desde o escritor à livraria independente, passando também pelos Bookstagrammers.
Em relação a livros, já sei o tema do próximo. E é tudo o que posso partilhar.
Por fim, afinal Margarida, para onde vão as meias que desaparecem?
Vão para um lugar muito especial, que só os mais audazes poderão descobrir.
Todas as fotos publicadas neste post foram disponibilizadas pela autora, e captadas pelo olhar da Andreia Carvalho.
Onde Podem encontrar a Margarida
Já conheciam o trabalho da Margarida?