Regressamos depois de um hiatus novamente com entrevistas, o meu convidado de hoje é o Miguel d’Alte, que viu em setembro de 2022 o seu primeiro livro ser publicado pela Trebaruna. Convido-vos a conhecer mais sobre o Miguel e a sua obra!

Olá Miguel, e desde já muito obrigada por aceitar dar esta entrevista para o blogue.

Olá, Liliana. Gostaria de agradecer o convite para responder a algumas perguntas sobre o meu livro. É sempre um prazer falar com os leitores.

Como se descreveria numa palavra?

Creio que a melhor palavra que me descreve é «insatisfeito». Procuro sempre mais, tento viver tudo muito rápido e sou um eterno insatisfeito. É uma característica que tem um lado bom e um lado mau. Outras pessoas certamente usariam diferentes palavras para me descrever.

Publicou em setembro de 2022, o seu primeiro livro, “O Lento Esquecimento de Ser”. Como surgiu a ideia para a história?

A ideia para este romance surgiu da minha paixão pelos livros e pela literatura obscura e misteriosa. É um livro sobre livros e o processo de escrita, e é sobretudo um livro sobre escritores, os malditos, obcecados pelo seu ofício, polémicos.

Portanto, o protagonista deste meu primeiro romance, Henri Benoît, tem a voracidade das minhas paixões, é um anti-herói, este tipo de personagens atraem-me. Henri Benoît é o típico escritor decadente: bebe e fuma demasiado, é obsessivo, luta contra as páginas em branco e vive recluso do que os jornalistas escrevem sobre ele, do julgamento de terceiros.

Ao mesmo tempo, é alguém profundamente ciente das suas fraquezas e falhas, fechou-se em casa para fugir à fama que o Prémio Goncourt lhe trouxe em 1962, procura redimir-se do passado; aceita o cargo de professor na Sorbonne, em 1967, o que espoleta mais tarde o seu exílio.

É um livro que fala do que considero ser a inevitabilidade da nossa existência: o esquecimento. E também sobre a empatia.

Inspira-se em pessoas reais para criar as suas personagens?

O protagonista, Henri Benoît, é muito influenciado por escritores que admiro, como o Charles Bukowski, Michel Houellebecq, Hunter S. Thompson ou o F.S. Fitzgerald, ou até pelas personagens que estes criaram, como por exemplo o alter ego do Charles Bukowski, Hank Chinaski, ou as várias personagens dos romances de Michel Houellebecq, homens com dificuldade em viver, também insatisfeitos, que não admiram a sociedade que os rodeia.

Para além disso, certos momentos da narrativa são baseados em factos reais, por exemplo, as relações de Henri Benoît com Gallimard são baseadas nas de L.F. Céline com esse mesmo editor na década de 50. L.F. Céline reclamava da percentagem de direitos de autor, discutiam regularmente. Estas altercações ficaram famosas.

Como foi o processo de publicação do livro?

Quando terminei o manuscrito, enviei para várias editoras. Quando a Trebaruna me contactou, através da Carolina Sousa, percebemos que partilhávamos as mesmas ideias para o livro. Durante alguns meses trabalhámos na edição do livro, os comentários da Carolina tornaram-no melhor.

Fiquei muito contente com o resultado final, inclusive a capa, que traduz o mistério certo para o livro, um filme noir, as nuances de sombra e luz, a criança imóvel à espera do seu destino.

Viveu em vários países, de que modo isso o influencia na criação das histórias?

As minhas experiências pessoais, neste caso, os locais onde vivi, influenciam muito a minha escrita e os livros que leio ou descubro. Mas não só: também as viagens, a curiosidade que tenho e que me move, a busca por novas experiências e emoções.

No próprio livro, o Henri Benoît diz isso aos alunos, nas aulas na Sorbonne, no ano letivo de 1967/1968: para escrever é preciso viver, ter algo para contar. Por isso, todas as minhas experiências têm muita influencia na maneira como crio histórias.

Além disso, por exemplo, uma grande parte da narrativa de “O Lento Esquecimento de Ser” foi escrita em Paris, quando me encontrava na cidade e onde fiz também pesquisa para o livro.

Como convenceria um leitor a ler o seu livro?

Como mencionei anteriormente, este livro conta a história da vida de Henri Benoît, o típico escritor decante, professor na Universidade de Sorbonne durante os eventos do Maio de 68. É uma viagem no tempo à Europa revolucionária dos anos 60 e 70, mais concretamente a Paris, é um livro sobre livros e o processo de escrita, a empatia e o esquecimento que o tempo impõe.

A personagem principal é o Henri Benoît, mas o narrador é Jean-Luc Garrel, um jornalista francês, amargurado, que, quando, em 2001, sabe da morte de Henri Benoît, parte à procura de um livro maldito que ninguém sabe que existe. Mas isso é o que ele pensa. Deixarei os leitores descobrirem o resto, se sentirem curiosidade: quem é este narrador, e porque desapareceu Henri Benoît durante 33 anos. 

Olhando para o panorama literário nacional qual é o/a autor/a que é para si uma referência? E porquê?

Existem ótimos escritores portugueses. Nos últimos anos, li bastantes autores nacionais. Admiro muito a escrita do João Pinto Coelho e do Hugo Gonçalves, da Tânia Ganho e da Susana Amaro Velho, e, principalmente, a do João Tordo. Os protagonistas dos livros do João Tordo – ou narradores – são (quase sempre) anti-heróis, personagens que procuram encontrar-se, há também a dose certa de mistério, gosto das estruturas narrativas que usa.

Além disso, partilho muitas das ideias do João Tordo sobre o ofício da escrita: a disciplina de escrever todos os dias, de lutar contra as palavras, de observar as personagens a percorrerem o seu próprio caminho, transformarem-se, chegarem onde devem chegar.

Se tivesse a oportunidade de ir tomar um café com um autor, vivo ou morto, quem escolheria, e porquê?

Sem dúvida que escolheria o Charles Bukowski. Mas não seria um café, seriam certamente várias cervejas e uísques. Gostaria de conhecer o homem por detrás dos livros, deambular pela noite de Los Angeles dos anos 60 ou 70 com ele, ir a uma corrida de cavalos, às leituras dos seus poemas, sentar-me entre a multidão a assistir.

Qual é o livro que considera ser o livro para da sua vida?

É muito difícil escolher apenas um livro. Mesmo escolher dez livros seria difícil. No entanto, o primeiro que me vem à cabeça é o “A Insustentável Leveza do Ser”, do Milan Kundera. É um livro de uma prosa arrebatadora e que li num momento em que me marcou bastante, talvez também por ter vivido na República Checa, ou por ter um fascínio pelos anos da Guerra Fria e pelos países de Leste. Como leitor, houve um antes e um depois desse livro.

Por fim, o que nos pode contar sobre os seus projetos futuros?

Encontro-me a trabalhar num segundo livro, que estará brevemente concluído. É diferente deste. Há um crime antigo nunca resolvido, e vários mistérios para desvendar. A personagem principal será também um anti-herói, um jornalista que se tentará encontrar através de uma investigação.

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