A conversa de hoje é com uma jovem autora natural de Leiria e recém licenciada em tradução, adora aquele rock dos antigos e é fanática pelo lirismo, e aventurou-se no seu primeiro livro “(p)arte de (te) amar” em 2018, e foi este ano entrevistada para a revista Cristina, falo-vos de Márcia Filipa.

Olá Márcia, desde já muito obrigada por me ceder esta entrevista. 

Olá. Eu é que agradeço por esta maravilhosa oportunidade!

Como se descreveria em apenas 2 palavras?

Em apenas duas palavras? Sensível e sonhadora. Passo a minha vida inteira a sentir de forma intensa, alegrias e tristezas, e grande parte dela a sonhar.

Como entrou a escrita na sua vida?

Sempre adorei livros. Comecei a ler muito cedo, os meus pais incentivavam-me muito e ofereciam-me livros. Depois veio a escola, aprendi a escrever e adorava simplesmente as composições dos testes de Português. Era frequentemente nomeada como a melhor composição. As minhas professoras sempre viram um talento em mim que eu nunca achei que existisse. Entretanto surgiu uma paixão pela música, depois os contos, depois a poesia, e sempre a explorar outros estilos de escrita. Aos 12 anos, todos os alunos do meu ano foram obrigados a participar num concurso nacional de poesia. Eu pensei «isto é um concurso nacional, nem vale a pena tentar». E, assim, sentei-me ao fundo da sala e deixei a caneta deslizar pelo papel sem pensar no que escrever. Uns tempos depois descobri que tinha ganho. Foi aí que pensei «talvez tenha talento, talvez deva investir no meu sonho». E nunca mais parei.

“O amor está sempre lá, de uma maneira ou de outra. É um tema ao qual é impossível fugir, por muito que queiramos. É algo que nos une a todos como humanos.”

Intitula-se escritora de prosa/poesia lírica, em que consiste na realidade este tipo de escrita? 

Para mim, o que define realmente a minha escrita é o lirismo. «Estilo elevado, mas mavioso e apaixonado», «de caráter subjetivo ou romântico» ou, no sentido figurado, «sentimentalismo». Acho que são definições que vão facilmente de encontro ao meu estilo. A minha escrita tem de ressoar no leitor como uma música, fazê-lo sentir.

Porque não optou pela prosa ou poesia consideradas “normais”?

Não é uma questão de escolha, é mais uma questão de submissão. Nunca planeei o que escrever, nem mesmo na altura em que escrevia sonetos, tendo de obedecer à forma e à métrica. A escrita toma conta de mim. Eu é que sou o instrumento, não o sujeito. Tendo esclarecido isso, eu já escrevi prosa e poesia «normais». Já escrevi muitos géneros, de muitas formas, e quero continuar assim. Não me quero cingir a algo específico, embora provavelmente deva. Por muitas diferenças que existam, uma coisa é certa: o meu estilo lírico manter-se-á.

A sua primeira obra “(p)arte de (te) amar” aborda entre outros o tema do amor e melancolia, como surgiu a ideia?

Não surgiu. São textos escritos ao longo dos anos. São textos do meu íntimo. Por isso é que demorei tanto tempo a publicá-los, a perceber que ser escritor é ter coragem de nos despirmos perante o mundo. Depois foi só organizá-los de modo a criar uma história.

Como é possível inovar, quando já se escreveu tanto sobre este tema?

Boa pergunta. Não sei. Acho que há sempre algo a escrever sobre o amor. Afinal de contas, é o tema comum a todas as obras – sejam de autoajuda ou policiais. O amor está sempre lá, de uma maneira ou de outra. É um tema ao qual é impossível fugir, por muito que queiramos. É algo que nos une a todos como humanos. Todos já o experienciámos ou iremos experienciar.

Optou por através de uma editora menos tradicional, foi mesmo uma opção, ou uma consequência do estado do mercado literário em Portugal?

Sem dúvida que foi uma consequência do estado do mercado literário em Portugal. Se pudéssemos, todos publicaríamos em grandes editoras, como a Leya ou a Porto Editora. Trazer novos autores para as grandes editoras, especialmente portugueses, raramente compensa. E, por essa mesma razão, não o fazem. Embora agora se veja um investimento por parte de editoras como a Cultura. De todas as que contactei e que me deram uma resposta afirmativa, escolhi a que melhor se adequava a mim, neste caso, a Edições Vieira da Silva. Não me arrependo. Uma editora pequena, com excelentes profissionais, que se concentra apenas em autores portugueses, nomeadamente em descobrir o próximo grande autor de Portugal. Depois, decidi experimentar passar por todo esse processo sozinha. Aprendi muito com essa experiência e ainda estou a aprender.

Este tipo de edição obriga a que a parte de divulgação do livro seja responsabilidade do autor. Considera que tenho em conta o que a internet oferece hoje em dia ao nível de influencers ajuda neste processo? Como tem sido todo o processo de divulgação da obra?

O Bookstagram foi um universo que descobri apenas há alguns meses, infelizmente. Sem dúvida que, no futuro, é algo a que vou dar muita mais importância, uma vez que já é possível ver uma mudança de mentalidade do mercado literário graças às influencers. 

O processo não é fácil e requer muito tempo, mas tem sido recompensador e estou muito grata a todos os que me ajudaram a divulgar o livro – quer seja através das críticas no Goodreads, ou as fotos que publicam no feed, o facto de partilharem as minhas publicações e interagirem comigo. Estou muito grata por ter descoberto este mundo e pelo apoio que tenho recebido.

Acha que o autor escreve para si ou para quem o lê? Ou seja, qual é o seu objetivo quando está a escrever?

Eu escrevo para mim. Publicar é algo que faço para partilhar parte de mim com os outros. O meu sonho, com a escrita, sempre foi fazer as pessoas sentir. Acho que um escritor não é nada se não provocar emoção no seu leitor. É só isso que eu desejo: despertar uma emoção.

Tem-na surpreendido o feedback dos leitores?

Tem. Sou uma pessoa muito insegura e, sem dúvida, que não me sinto segura com a escrita, até porque não escrevo algo que agrade às «massas». É difícil encontrar leitores que gostem deste género e só o facto de os encontrar deixa-me imensamente feliz. Quando tenho críticas positivas, que tem sido a sua grande maioria, sinto-me muito motivada para continuar o meu trabalho.

O que diria para convencer um leitor a ler o seu livro?

Algo do género «se tem coragem de amar, então ande lá». O primeiro rascunho do livro chamava-se assim, «Anda lá».

 Quais os autores que admira e que a influenciaram enquanto escritora?

Florbela Espanca foi, possivelmente, a minha maior musa. Assim que a li, identifiquei-me com a sua escrita e foi a prova de que não havia nada de errado com uma «moça» a escrever erotismo.

Relativamente a escritores atuais, admiro muito o Pedro Chagas Freitas. Conseguiu atingir o estatuto que detém sozinho. Ninguém acreditou nele e agora vende milhares de livros, é publicado em vários países. E, mesmo atingindo toda essa fama, a crítica ainda o vê com maus olhos. É apenas mais uma prova de como a literatura está reservada para a «elite». João Tordo foi uma paixão que descobri este ano e creio que não vou abandonar tão cedo. 

 Se tivesse a oportunidade de conversar com um deles, qual escolheria e o que lhe perguntava?

Já tive a oportunidade de conversar muitas vezes com o Pedro Chagas Freitas. É um homem muito acessível e que incentiva imenso os novos escritores. Contudo, acho que falaria com Florbela Espanca e lhe perguntaria apenas «Como se sente por ser considerada uma das maiores poetisas portuguesas depois de morta?». A eternidade póstuma é algo que me incomoda bastante.

Por fim, está de momento a trabalhar em algum novo livro ou projeto? 

Atualmente, estou a acabar o meu primeiro romance e a começar um livro mais académico – uma edição crítica do Livro de “Sóror Saudade” de Florbela Espanca. Sobre o romance, ainda estão muitas arestas por limar, e, tal como todos os livros do mundo, é sobre amor. Trata temas como a epilepsia, a distância, a anorexia, a saudade. E aviso já: vocês vão sentir.

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