Regresso com mais uma entrevista, desta vez a um autor do qual li um livro no mês passado. Natural de Viseu e com formação superior na área da Gestão e uma carreira como consultor empresarial e formador, José Rodrigues é autor de três livros editados pela Coolbooks, uma chancela da Porto editora.

Olá José, desde já muito obrigada por me ceder esta entrevista. Tendo uma carreira profissional ligada à gestão, e de certa forma, aos números, qual é o papel das letras na sua vida? 

As letras sempre existiram na minha vida. Aliás, ainda hoje tenho alguma dificuldade em encontrar uma explicação com substância suficiente, que consiga explicar que eu não tivesse seguido para um curso superior de letras. Ao mesmo tempo fico feliz por pensar que, se isso tivesse acontecido, talvez não escrevesse livros agora. A escrita surgiu na minha vida muito cedo, desde as primeiras composições da primária, quando os meus professores me pediam um limite de linhas e eu excedia sempre. Atualmente, a escrita surge como uma forma de suavizar os meus dias profissionais, como uma terapia, com algo que serve para tornar a passagem do tempo menos notada, retardando a sua velocidade. Eu sei que isto é, de certo modo, ilusório. Um minuto é um minuto e uma hora é uma hora, mas, ao escrever (escrevo sempre à noite) fico com a sensação de que um minuto demora mais tempo a passar e, por isso, fico com mais tempo para usufruir da beleza da vida. 

E como nasceu o gosto pela leitura?

O gosto pela escrita é bem maior do que o gosto pela leitura. Provavelmente, li todas as obras “obrigatórias” para crianças e adolescentes. Chegada a fase adulta, fiquei com particular curiosidade pela área das emoções, da inteligência emocional, comportamento humano, relações interpessoais. Virei sempre as minhas agulhas para a leitura dessa área. Gosto muito de ler poesia. Sempre gostei. Fernando Pessoa, Camões, Cecília Meireles, Mário Quintana e tantos outros.

Se tivesse a oportunidade de se encontrar com um autor, vivo ou não, qual escolheria? 

Mário Quintana. O poeta das coisas simples. Identifico-me imenso com todos os seus poemas, com a simplicidade que inclui em todos os seus textos, resultado de uma grande experiência de vida e longevidade. Indiretamente, mostra-nos que as coisas mais importantes da vida não são, de facto, coisas.

E o que lhe perguntaria?

Talvez lhe perguntasse quanto tempo precisamos de viver para descobrirmos isso…

O mundo editorial em Portugal é ainda muito restrito, pelo menos através das editoras tradicionais. Qual é a característica que é necessária para se conseguir ser escritor em Portugal?

A primeira coisa, a meu ver, para se conseguir ser escritor é fazê-lo com algo sentido, como algo que não se força e, sobretudo, como algo que complementa a alma. Depois, não encarar isso como um objetivo financeiro, nem fazer com que isso se torne algo palpável ou numérico, como meta. Se o futuro acrescentar valia económica que isso seja uma consequência e não um imperativo. O talento, se existir, fará o resto. 

Nos seus três livros editados pela Coolbooks, as pequenas aldeias do interior têm um papel fundamental na história. Acha que é necessário cada vez mais destaque a estes pequenos lugares mágicos na literatura? De que forma acha que os mesmos se distinguem e valorizam as suas obras?

A vida é feita de interior, de litoral, de montanha, de mar, de vales e ruas, de desertos e passagens. Isto é válido em termos geográficos, mas também é válido em termos mentais. Quantas vezes estamos virados ao mar, literalmente, a contemplar a beleza da água, mas temos o nosso pensamento focado na nossa aldeia, na nossa infância ou adolescência, nos nossos avós, pais ou amigos. E isso é que faz escrever. Os sentimentos não têm tempo. A memória acompanha-nos a cada passo, a cada vivência, a cada instante. Não a podemos negar, não a podemos esconder, porque ela surge quando menos esperamos. Estar no topo de uma montanha, a almoçar ou jantar num belo restaurante e, de repente, surge um aroma um objeto ou um sabor que nos leva a outros lugares onde estivemos, que nos relembra pessoas que conhecemos e, quando damos conta estamos a colocar no papel tudo que estamos a sentir. 

Sendo também sempre histórias reais, tem alguma inspiração para a criação das personagens?

Procuro criar sempre personagens imperfeitas. Como o ser humano também é. Talvez seja mais fácil criar super-heróis, capazes de fazer coisas inalcançáveis pelo ser humano comum, mas isso não me seduz. Na verdade, gosto que as coisas e as personagens aconteçam como elas surgem no nosso dia-a-dia, como se pudessem acontecer a todos. Quando leio literatura do género, gosto de pensar que o que está a acontecer, ao longo da narrativa, poderia muito bem acontecer comigo, porque também sinto, também sou imperfeito, também vivo. O que me inspira são os gestos mais simples, mas que marcam ou que fazem a diferença nas vidas de quem com eles lida. 

Os seus três livros são romances, mas este último, O Tempo nos teus Olhos, aborda em especial o amor na terceira idade, que não vemos muito retratados na literatura. Como surgiu o mote para esta obra?

O amor na terceira idade é como o amor em todas as outras idades. Com características diferentes, mas que têm apenas a ver com as contingências da forma e não da substância. Não há nada que diga que os sentimentos são menos intensos, menos fortes, menos capazes de originarem felicidade. Apenas existem alguns limites próprios da fisiologia, de rugas, de pele, de vigor ou energia. De resto, não há limites de idade para sermos felizes. O problema é que, de certo modo e em muitos casos, as pessoas mais velhas entregam o seu destino aos mais novos, mesmo quando estão ainda mentalmente capazes de assumir os seus próprios destinos, incluindo a luta pela felicidade. Normalmente, quem mais viveu, mais perdeu. De forma natural, as pessoas mais velhas, lidaram mais vezes com a perda do que os mais novos. Depois, existem duas formas de lidar com isso, ou nos refazemos e lutamos ou nos entregamos e, com isso, deixamos de viver. Na verdade, não há tempo nem espaço próprios para a perda, nem nada nos prepara para esses golpes do destino, mas também não há um tempo certo e definido para a reconstrução. 

Comecei a escrever O tempo nos teus olhos, num dia particularmente especial. De manhã, dirigi-me a

uma loja de artigos desportivos para comprar uns óculos para a natação e acabei por ajudar um casal de septuagenários que me pediram para lhes aconselhar um equipamento para a hidroginástica. A senhora dirigiu-se a mim e disse-me “o menino não se importa de me ajudar a escolher uns óculos?”. Ajudei-a, claro e fiquei muito sensibilizado por ser tratado, aos 49 anos, por menino. Além disso, ensinei-os a colocar os óculos e dei-lhe uma ou outra dica. Nesse mesmo dia, fui ao meu médico de família para lhe mostrar uns exames e, por volta do meio-dia ele disse-me: “Zé, com estas análises, estás um jovem atleta”. No final do dia, na aula de natação, o professor resolveu dar-nos lições de mergulho. A minha turma de natação, todos com mais ou menos a mesma idade, alinhámos e imediatamente uma turma de crianças, assim que nos viu a alinhar para a prancha, saltaram da piscina e colocaram-se a observar-nos para se rirem, claro. Eu fui o primeiro a mergulhar e, assim que saí da piscina, uma criança veio ter comigo e disse-me: “o senhor, se não quiser ficar com o peito tão vermelho, tem de colocar a cabeça entre os ombros, inclinar o pescoço e dar um ligeiro impulso” – risada geral, claro.

À noite, sentado no sofá, fiz um pequeno resumo mental do dia e pensei: comecei o dia como menino, depois transformei-me em jovem atleta e terminei o dia como senhor. Mas o incrível é que ensinei como menino e aprendi como senhor. Por isso, se podemos ensinar como meninos e aprender como senhores, podemos ser tudo…

As suas obras incluem fotografias durante todo o enredo, o que acaba por enriquecer toda a experiência de leitura. Como lhe surgiu a ideia, e a parceria com a Sara Augusto, a fotografa que assina as fotos de todos os livros?

A Sara é doutorada em literatura e professora universitária em Macau. Conheci-a em 1986, quando cheguei à universidade, no primeiro dia da receção ao caloiro. Ela em letras, eu em gestão. Ficámos sempre amigos. Mais tarde, ela também se formou no Instituto Português de Fotografia. Em 2015, encontrámo-nos para almoçar e matar saudades e eu disse-lhe que tinha acabado de escrever um romance que gostava que ela lesse, para me dizer se achava que tinha ou não alguma qualidade. Depois desafiei-a, pedindo-lhe que, se gostasse, que fizesse uma foto para cada capítulo. Nasceu assim O Rio de Esmeralda. Foi uma combinação tão harmoniosa que não mais separámos o discurso literário do discurso fotográfico. 

Acredito que todos os livros que já escreveu são especiais para si, mas qual é aquele que tem um lugar ainda mais especial no seu coração? E porquê?

Essa é uma pergunta difícil. São livros todos diferentes, mas todos são especiais. Acho que todos são um processo de crescimento e procuro crescer um pouco em cada um deles, porque eu próprio também vou ficando mais velho. Tenho um enorme carinho por todos, um amor por cada um deles. O Tempo nos Teus Olhos, sendo o último é aquele do qual falo mais e talvez por isso e apenas por isso, seja o mais vivo.

E por fim, para quando podemos esperar um novo livro?

O próximo livro está pronto. Deverá sair no final do verão. Uma grande surpresa editorial. Um livro que espero seja especial. 

Onde podem conhecer mais sobre o José

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A Minha Opinião Sobre o Último Livro do José

Já conheciam o José? Ou tinham ouvido falar de algum dos seus livros?

Boas leituras e até ao próximo post!


As fotos apresentadas neste post foram disponibilizadas pelo autor através das suas redes sociais.

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