Conversamos hoje com a Susana Silva, autora de dois contos de terror, nas duas antologias Sangue Novo e a mais recente Sangue, publicada no passado mês de setembro pela Trebaruna. Além de escritora é oceanógrafa física e dedica-se ao estudo da física dos oceanos. Convido-vos a conhecer um pouco mais da autora nesta entrevista.

Olá, Susana, desde já muito obrigada por me ceder esta entrevista.

Muito obrigada, eu!

Trabalha como oceanógrafa física, uma profissão pouco conhecida, consegue explicar-nos em poucas palavras em que consiste o seu trabalho?

O meu trabalho, o que posso dizer? Neste momento encontro-me no último ano de doutoramento em Oceanografia Física na Faculdade de Ciências de Lisboa. O que faz um oceanógrafo físico? De uma forma simples (ou não 😊) estuda a física dos oceanos (por exemplo, o estudo das correntes oceânicas) usando dados recolhidos no oceano, através de satélites ou mesmo usando modelos. Eu uso um bocadinho de tudo na realidade.

Como surgiu o seu gosto pela escrita?

Desde pequena que sempre gostei de inventar histórias de aventura. Aos 14 anos escrevi um livro de aventura (lido hoje, muito cómico e mau 😊) que ficou sempre na gaveta. Mais tarde na faculdade comecei a escrever para mim, muitas vezes apenas pensamentos, coisas mais obscuras.

Participou da antologia de contos Sangue Novo em 2021. Como surgiu o convite e qual o seu primeiro pensamento quando o recebeu?

O convite surgiu enquanto participava no curso de Escrever Terror da Escrever Escrever. Numa das sessões o Pedro (Lucas Martins) explicou-nos que estava a organizar uma antologia de contos de terror com autores completamente desconhecidos e que achava que nós (eu e as outras 3 musas sangrentas – elas sabem quem são!!) tínhamos potencial para integrar a antologia e assim foi!

Ainda hoje e já com dois contos publicados ainda não acredito que isso aconteceu, talvez por ainda não ter visto o livro numa livraria, ou talvez, mesmo que um dia seja um livro só meu, eu continue a não acreditar, talvez me pareça sempre uma coisa demasiado irreal. Às vezes é preciso alguém com vontade suficiente to take a leap of faith e isso foi o Pedro. Eu sei que ele não gosta de ouvir ou ler obrigados, mas aqui está outro: obrigada Pedro por acreditares em todos nós!

Participa na nova antologia, escrevendo um conto intitulado de Icor. Como surgiu a ideia para este conto?

Para esta antologia o convite foi bastante diferente. A antologia Sangue resultou de um concurso aberto pela Trebaruna no qual seriam selecionados vários contos. Foi uma alegria imensa saber que tinha sido uma das escolhidas.

A ideia para o conto surgiu inicialmente de uma frase de um poema do autor italiano Cesare Pavese e do seu conceito de que quando a morte chega ela tem os nossos olhos. Esta antologia tinha um tema (sangue) e lembrei-me da história da Condensa Elizabeth Báthory e de como ela se banhava no sangue de jovens para rejuvenescer. Tinha também escrito algo num dos cursos de Escrever Terror sobre não a sede de beber sangue, mas de se banhar nele. E foi assim que começou a tomar forma a ideia e o conto em si.

Dividiu-o em atos. Algo pouco visto nos livros. Tem alguma razão especial para o fazer?

Foi algo que comecei a fazer com o meu primeiro conto e que decidi manter. Eu vejo as minhas histórias como peças de teatro, como monólogos interiores, apenas sequências de imagens em teatros vazios. Em “O Palco Vazio”, levei esse conceito ao extremo em que de facto existe um palco de teatro, vazio. Já em “Icor”, penso que se o conto for lido como se estivéssemos a ver uma peça de teatro a atmosfera muda totalmente.

É assim que vejo os meus contos. Há qualquer coisa de melancólico em teatros velhos ou em monólogos, coisas que aprecio bastante. Não sei se faz muito sentido, mas é essa a razão para a divisão em atos.

Já publicou algum livro, para além dos contos em ambas as antologias? Mesmo que com outro nome?

Para além dos contos publicados nestas antologias, não tenho mais nenhum livro publicado. Tenho sim um poema publicado na Fábrica do Terror e outro na antologia de trabalhos associados às comemorações dos 100 anos do filme Nosferatu que serão em breve publicados em livro, mas que podem ser lidos no site.

Se tivesse a oportunidade de jantar com um autor, vivo ou não, qual escolheria? E que pergunta não deixaria de lhe fazer?

Sem dúvida alguma escolheria a autora Ana Teresa Pereira. Conheci os livros dela nos meus primeiros anos de faculdade e penso que já os li todos (são mais de 40 livros 😊) mais do que 3-4 vezes. A escrita dela foi e é sempre uma grande inspiração para mim. Quanto à pergunta que lhe faria sem dúvida (de entre tantas que tenho) seria se o Paul do Mar é assim tão impossível como ela o retrata nas suas histórias.

Acha que o autor escreve para si ou para quem o lê? Ou seja, qual é o seu objetivo quando está a escrever?

Depende do autor. Penso que existem muitos autores que escrevem com um público-alvo em mente, ou seja, escrevem aquilo que acham que vende, podendo não ser necessariamente aquilo que desejam escrever.

Eu escrevo em primeiro lugar para mim, escrevo o que eu quero escrever. Tenho perfeita consciência (cada vez mais) que o meu tipo de escrita é de nicho, não só pela temática, mas pela sua forma, e, como tal, as pessoas apreciam ou não. Decidi há algum tempo que iria escrever como gosto, apesar de muitas vezes não ser totalmente entendida.

O meu objetivo quando escrevo é apenas descrever imagens que estão aprisionadas na minha mente. Não vejo as minhas histórias/poemas como uma forma de transmitir uma lição ou mensagem. No fundo são apenas fragmentos de momentos/sensações de melancolia e tempo.

Do género “quem leu o livro x gostará da Antologia Sangue”, que livros escolhia?

Não lhe consigo responder a esta questão, pois ainda não tive oportunidade de ler a antologia e não sei que género de histórias contém, apesar de ter um tema, poderá nem tudo ser de terror. Penso que uma antologia é sempre uma boa forma para conhecer novos escritores.

Talvez quem goste de ler antologias, tais como o Sangue Novo ou as do Motel-X ou os contos de Terror do Homem-Peixe, irá gostar do Sangue.

Por outro lado, existem nesta antologia autores que já têm outros livros publicados. Se gostarem de um determinado autor, é uma boa razão para ler o Sangue e conhecer mais um conto desse autor.

Por fim, o que nos pode contar sobre os seus projetos futuros?

Neste momento estou a escrever (muito lentamente) um livro com 7 contos (um dos quais será uma versão do conto “O Palco Vazio”) em que o conto central (“O Laço de Dédalo”) será sob a forma de poesia/prosa poética.  

Será um livro sobre tempo, uma temática que me diz tanto. Muitas das histórias são pedaços soltos que já existiam de uma forma ou de outra na minha cabeça e que tenho estado a tentar pôr em papel.

Estou também a trabalhar num livro de poesia baseado em música. Uso bastante a música para escrever, para me levar ao sítio onde preciso de ir para escrever, e esta ideia surgiu enquanto escrevia o conto para a antologia Sangue.

Onde Pode Conhecer mais sobre a Autora

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