Olá Lívia, e desde já agradeço por me conceder esta entrevista. Qual foi a sua última leitura?
Olá Liliana. É um prazer para mim termos esta conversa sobre livros, a minha grande paixão.
É difícil definir uma última leitura, pois estou sempre a ler. Os meus gostos variam muito, adoro experimentar géneros e autores. Posso indicar como últimas leituras o excelente Moby Dick de Herman Melville, uma Antologia de Contos Famosos que comprei num alfarrabista, que inclui histórias curtas de Agatha Christie, H. G. Wells, Pearl S. Buck e Tennessee Williams, Great Jones Street de Don DeLillo, As Margens e a Escrita, uma coleção de ensaios da Elena Ferrante.
Comecei a ler Crime e Castigo de Dostoiévsky, depois de ter concluído A Mais Breve História da Rússia do jornalista José Milhazes. Paralelamente aos livros leio também em plataformas online e terminei recentemente uma história de ficção científica chamada 6 Voltas Depois. Nessas plataformas tenho descoberto obras muito boas, normalmente escritas em português do Brasil, como O Conto da Raposa e Feita de Papel e Tinta de jovens autores que disponibilizam gratuitamente as suas histórias.
Como é que surgiu a escrita na sua vida?
A escrita surgiu na minha vida com a necessidade de contar as histórias que inventava para interpretar o mundo, quer fosse o real, quer fosse o fantástico. O problema que se me colocava era como retirar essas histórias da minha cabeça para o plano físico. Tentei o desenho, mas nunca consegui aprimorar a arte ao ponto de refletir exatamente o que imaginava, daí ter investido nas letras e nas palavras. Descobri que com um texto, com um conto, com a junção de vários capítulos que formavam uma história conseguia efetivamente explicar o que eu tinha criado primeiro só para mim.
Vai brevemente publicar “Abelterium”, um romance histórico. Como surgiu a ideia para o enredo?
Abelterium nasceu de uma ideia que me foi proposta pelo arqueólogo responsável pelas mais recentes descobertas arqueológicas em Alter do Chão, distrito de Portalegre. Havia um mosaico esplêndido, uma estela funerária, uma telha de barro, um acontecimento no domínio da lenda e o resto ficou a meu cargo. A partir das inscrições frias de nomes de pessoas antigas, de mitos desenhados em tesselas coloridas e da possibilidade de o imperador romano Adriano (76 – 138 d.C.) ter estado na região durante as suas famosas viagens criei um elenco de personagens e um enredo que pudessem contar esse passado numa história original que, em simultâneo, se alicerçava na História conhecida.
Tendo em conta a época em que se passa a história, no sec. IV d.C., quanto tempo dedicou à pesquisa?
A história de Abelterium passa-se no século IV e também no século II d.C. Num romance histórico a pesquisa é fundamental para que possamos refletir na escrita a época que se pretende caracterizar e descrever, para que o leitor sinta que está a ler uma história credível.
Quando escrevo, costumo fazer muita pesquisa, independentemente do tipo de obra. Tiro sempre muitos apontamentos e leio bastantes referências bibliográficas, quando se justifica vejo vídeos, documentários, filmes, leio livros com temáticas semelhantes. Essa responsabilidade torna-se acrescida no caso de um romance histórico.
Antes de me empenhar na escrita, pesquiso e tento dominar os temas que pretendo abordar. Posso dizer que num livro, dois terços do tempo que consumo a escrevê-lo é passado a investigar e a pesquisar.
Em média quanto tempo demorou a escrever “Abelterium”?
A escrita de Abelterium sofreu alguns percalços e adiamentos. Teve duas versões, uma inicial escrita em 2009 e uma final, que reescreveu a primeira ideia, que ficou terminada na sua estrutura definitiva em 2015. Costumo escrever muito rápido, assim que tiver a ideia assente, após o investimento no estudo e na pesquisa que antecede o processo de escrita propriamente dito. Pegando na versão final de Abelterium, creio que levei cerca de três meses a escrever o livro.
Publicou em 2011, o livro Julia Felix – Frescos de Pompeia, também ele um romance histórico, passado no sec. I d.C.. O que a fascina nestas épocas mais remotas da nossa história?
Sempre gostei muito de História, especialmente do período da Antiguidade Clássica. Um dos meus maiores sonhos, desde muito nova, era conhecer as ruínas de Pompeia – Nápoles, Itália (cumprido finalmente em 2019). Talvez me atraia a fatalidade, a evidência de que nada é eterno, a forma como o mundo mais brilhante, culto e perfeito pode ser destruído em pouco tempo. Sobram as memórias. O mundo romano continua a influenciar inegavelmente a nossa cultura e a nossa organização enquanto sociedade, mas reside no passado, nas suas ruínas de pedra vazias. Julgo que é esse o meu fascínio maior em relação ao mundo grego e romano.
Passados quase 11 anos regressa aos romances históricos, é uma linha que pretende seguir no futuro?
Nunca descarto nenhuma ideia. Aliás, costumo dizer que tenho mais ideias do que tempo. Se hoje escrevo romance histórico, amanhã poderei escrever ficção científica, terror ou fantasia. Não pretendo espartilhar a minha escrita num único género. Se irei continuar a escrever romances históricos? Provavelmente. Mas, então, posso escrever um livro totalmente surpreendente, depende do que me inspira.
Num estilo totalmente diferente, publicou no ano passado, um livro de Ficção Científica, intitulado “Futuro”. Como surgiu a ideia para o enredo?
Futuro é uma ideia muito antiga. Começou por ser um conto apocalíptico que escrevi no final dos anos 1980 que acontecia num mundo devastado após uma terrível guerra nuclear. Evoluiu depois para uma história sobre uma invasão de extraterrestres, influenciada pela série mítica Ficheiros Secretos (X-Files). Quando me decidi finalmente a escrever a história, surgiu Futuro na sua roupagem atual, que mistura outras influências. Tornou-se num livro curioso que acabou por refletir os tempos atuais, desde a pandemia à guerra mais recente na Europa.
Escreve fanfics em plataformas de autopublicação, como o Wattpad, sob pseudónimo. Primeiro como surgiu este tipo de histórias na sua vida?
Para ser sincera acho que sempre fui uma escritora de fanfics. Desde cedo que adotei os heróis de livros, de filmes, de séries, da música e imaginava percursos alternativos ou continuações da sua presença na parte incorpórea da minha vida. É divertido fazer a pergunta sacramental “e se…?” e saber que não existem limites, nem censura ao que nos dispomos a fazer com esses heróis.
Por outro lado, as fanfics são uma base, um início. Com a escrita de fanfics temos uma maneira de nos definirmos enquanto escritores e criadores, de experimentarmos outras aventuras sem qualquer compromisso. São ainda um veículo para percebermos qual a aceitação da nossa escrita, pois ao serem publicadas no vasto mundo da internet, as nossas histórias encontram-se sob um escrutínio alargado de milhares de leitores, teoricamente.
Nunca pensou em escrever sob o seu nome? Ou quer manter distância entre os dois mundos?
Gosto de separar a escritora de livros da escritora de fanfics, neste caso, como escrevo sob um pseudónimo masculino, de escritor de fanfics. Acresce ainda o facto de o público que consome este tipo de histórias é esmagadoramente feminino e ajuda que o escritor seja do sexo oposto. Tenho reparado que existe uma relação de mais respeito e de cordialidade.
Continua a publicar na plataforma? É algo que pretende continuar a fazer no futuro?
Sim, continuo a publicar online e pretendo continuar a fazê-lo. É um mundo que me diverte, como já respondi anteriormente, para além de me ajudar a definir e a aprimorar a minha escrita. Recentemente ganhei um prémio muito importante no Wattpad, um Wattys que destaca anualmente histórias escritas em diversos géneros publicadas em exclusivo nessa plataforma, que me deixou muito feliz. Como foi o meu pseudónimo que ganhou, sem qualquer ligação à escritora, senti que foi um reconhecimento especial da minha escrita.
Já publicou em editoras mais conhecidas, em vanities, autopublicação e em editoras mais desconhecidas do grande público. Como começou a sua jornada de publicação?
A minha jornada de publicação começou primeiro com um pequeno empurrão do meu marido que me disse que eu devia arriscar a publicação das minhas histórias, pois gostava bastante daquilo que eu escrevia. Sempre escrevi primeiro para mim e tinha por hábito guardar tudo na gaveta. Ainda tenho algumas histórias guardadas! Futuro é um exemplo dessas histórias.
Depois enviei um simples email a propor a publicação e recebi uma resposta positiva. Tenho recebido muitas outras respostas negativas e perdi muitos concursos, mas como sou otimista, nessa contabilidade só gosto de me referir aos sucessos e nesta fase sou muito grata por ter conseguido publicar os meus livros e as minhas histórias, de os ter mostrado por fim ao mundo e, essencialmente, que tenha leitores que apreciem o que quero contar.
Qual a maior lição que tira de toda a sua experiência e contacto com as diferentes editoras?
É sempre importante conhecer diversas formas de se fazer a mesma coisa. Cada editora tem um modo de trabalhar, publicar online por conta própria também tem os seus percalços, mas a experiência é globalmente positiva.
Quanto tempo dedica à promoção dos seus livros? E qual considera ser a importância dos media para a promoção e difusão dos mesmos?
Pela minha experiência, a promoção dos livros, até mesmo do que escrevemos online, é fundamental para agregar o público que uma determinada história merece. No mundo de hoje somos constantemente bombardeados com informação e nem sempre recebemos as indicações que mais se adequam às nossas expetativas.
Por isso, qualquer promoção é preciosa para mostrarmos o nosso trabalho e assim conseguirmos alcançar o leitor certo, aquele que se apaixona por aquilo que fazemos. Essa é a maior recompensa para qualquer criador, saber que o que criou fez a diferença para alguém. E como chegar a esse alguém? Mostrando e promovendo.
Se pudesse viver um dia na pele de uma das suas personagens, qual escolheria e porquê?
A minha primeira resposta seria nenhuma! Quando escrevo distribuo um pouco de mim por várias personagens, não me identifico cabalmente com uma personagem ou replico-a de livro para livro. No entanto, após uma curta reflexão, respondo que gostaria de ser todas as minhas personagens.
Costumo dizer que amo incondicionalmente todos os livros que escrevo. Ao terminar de o escrever, considero-o como a minha obra definitiva. Assim que parto para o livro seguinte, dou tudo de mim a essa história e passa a ser o meu novo grande amor. Por isso, que personagem escolheria? Tantas! Desde a Vera até à Cabritinha, passando pela Tina, pela Cleo e pela Ana.
Que autores são para si uma inspiração?
A minha primeira grande inspiração foi a Marion Zimmer Bradley, com as suas notáveis Brumas de Avalon. A seguir descobri e apaixonei-me pelo japonêsHaruki Murakami, com a maneira delicadamente oriental como ele introduz o surreal no cotidiano. Recentemente descobri a Elena Ferrante e estou positivamente viciada na sua escrita, que ecoa uma parte significativa da minha. Menciono, por fim, os estudiosos do mundo antigo Mary Beard e Adrian Goldsworthy que, com a sua escrita acessível e direta, transformam qualquer dos seus compêndios académicos numa agradável leitura.
Por fim, o que nos pode contar sobre os seus projetos futuros?
Os meus projetos futuros passam, no curto prazo, por um conto integrado numa antologia, uma nova obra de ficção científica e uma história que vai misturar a ficção histórica, a fantasia e a contemporaneidade, nomeadamente os anos recentes de pandemia. Também espero continuar a escrever fanfics e a publicar online, tenho ideias firmadas para, pelo menos, três histórias novas. Em relação aos livros depois destes… só as Musas poderão fazer a revelação. Vou para onde me indicarem.