A conversa de hoje é com António Catarino, conhecido no mundo da escrita por A.M. Catarino. Já escreveu poesia, romances, fantasia, e participa como um dos 16 autores da antologia de contos de Terror Sangue, publicada pela Trebaruna. Convido-vos a conhecer melhor o autor.
Olá António, desde já muito obrigada por me ceder esta entrevista.
Olá Liliana. Antes de mais nada eu é que agradeço o convite. É sempre um prazer partilhar a paixão pelos livros com outros apaixonados pela literatura.
Como surgiu o seu gosto pela escrita?
O meu gosto pela escrita vem da banda desenhada que lia em criança. Lembro-me de ser muito jovem e já tentar escrever e desenhar as minhas próprias BDs. Mas o ímpeto para começar a escrever veio apenas depois de completar os meus estudos universitários.
Foi nessa altura que me tornei um aficionado de literatura e, consequentemente, comecei a escrever prosa. Mas os resultados satisfatórios só chegaram com a fotografia. Criei por volta de 2004 um blog em que associava a imagem a pequenos contos, que veio a ser a base do meu primeiro livro “Fragmentário”.
A partir daí vieram então o romance e a poesia, embora continue a gostar de experimentar misturar a fotografia com o texto.
Já escreveu e publicou diversos livros. Desde romance, poesia e contos de fantasia. Qual o género que mais gosta de escrever?
Gosto de pensar em mim como um contador de histórias. O romance, a poesia e os contos de fantasia (além da própria fotografia) são para mim uma excelente desculpa para contar uma história e para transmitir emoções e sensações aos leitores.
Aprendi, ao longo do tempo, que a melhor estratégia é deixar-me levar pela história. Já me aconteceu, por exemplo, começar a escrever algo e pensar que estou a trabalhar num romance, mas algumas páginas à frente perceber que estou prestes a acabar e que afinal se tratava apenas de um conto.
Também já escrevi contos que depois se transformaram em poemas. Ainda assim, confesso que a escrita de um romance, pela exigência do processo e a forma como obriga a mergulhar no projeto me agrada particularmente.
Agora para responder à pergunta do meu género preferido, tenho de dizer que o insólito, o inesperado e o extraordinário são os melhores motores para me sentar a escrever. Assim, a ficção especulativa é a minha área de excelência.
Como surgiu o convite para participar da antologia de contos “Sangue”?
Encontrei na internet o regulamento da antologia e senti-me espicaçado para fazer algo que envolvesse o sangue. Nunca me tinha passado pela cabeça utilizar esta temática. Geralmente tenho uma ideia e vou atrás dela. Isso não aconteceu desta vez. Foi um desafio muito interessante escrever para uma temática especifica, pois obriga a sair da minha área de conforto.
Já acontecera noutras ocasiões em antologias de ficção especulativa, mas desta vez foi especialmente aliciante. E, claro, o elemento fantástico não ficou de fora. Demorei meses a escrever o conto e poderia ter continuado indefinidamente. Só o dei por encerrado na deadline, porque o prazo estava mesmo, mesmo a terminar. Assim, fiquei muito feliz quando soube que o conto fora selecionado para publicação na antologia.
Como surgiu a ideia para o seu conto, intitulado de “O Osso Da Memória”?
O tema sangue poderia ter-me levado para muitas possibilidades, mas acabei por me centrar nas doenças do sangue. Assim imaginei um doente terminal de leucemia, cuja última vontade é não morrer no hospital, mas ao ar livre.
O conto segue as peripécias da fuga do hospital, enquanto paralelamente surgem na mente do moribundo memórias duma vida passada no Japão. Enquanto a fuga decorre em tempo real, do presente para o futuro, a vida passada surge de trás para a frente, através de haikus, pequenos poemas típicos do Japão, da morte até ao nascimento.
Esta ideia dos haikus, que implicou estudar a métrica e características muitos peculiares deste género de poesia, surgiu de um artigo de jornal que lera há muitos anos, sobre um piloto kamikaze japonês, da II Guerra Mundial, que deixou um poema lindíssimo escrito, sobre a beleza e a vida, antes de entrar no seu avião e o despenhar propositadamente sobre um navio americano. E essa é precisamente a primeira “aparição” da encarnação anterior japonesa no conto.
O que gostava que lhe tivessem dito antes de publicar o seu primeiro livro?
Gostava que alguém me tivesse explicado como funciona o mercado literário português. Somos um país pequeno, com poucos leitores. O que pode ser visto como restritivo ou como uma possibilidade. Há leitores, muitas vezes não se consegue chegar até eles.
Tenho tido a felicidade de colaborar em projetos muito interessantes, que têm sido sucessos à escala do mercado a que se destinavam. Se tivesse tido essa noção, desde o início, teria evitado algumas cabeçadas. Não adianta chorar pelo mercado que não temos, mas sim explorar as potencialidades daquele que existe.
É uma pergunta difícil, mas qual é a sua obra favorita e qual foi a mais excitante de escrever?
Escolho o livro “Emulsão”, pois permitiu-me utilizar no mesmo suporte a prosa, a poesia e a fotografia. Tratava-se da história do nascimento até à morte do fotógrafo de uma pequena vila piscatória. O livro poderia ter sido um romance, o argumento para um filme, entre tantas outras possibilidades.
Acabei por escolher apresentar fragmentos dessa vida, através de excertos do diário da personagem e os seus poemas e fotografias. Foi um projeto muito estimulante e de cujo resultado me orgulho especialmente.
Se tivesse a oportunidade de ir tomar um café com um autor, vivo ou morto, quem escolheria, e porquê?
Escolheria o Jorge Luis Borges, por ter sido o autor que mais me surpreendeu e entusiasmou. Um exemplo, ele escreveu contos evocando romances que nunca chegou a escrever e fez análise literária acerca de obras colossais que só existiam na sua cabeça.
O que não podia deixar de perguntar?
Primeiro perguntava qual foi o livro que lhe faltou escrever em vida e e em seguida o que achava da tatuagem que fiz no meu antebraço esquerdo duma frase sua: “O tempo está a viver-me”.
Qual é o livro que considera ser o livro para da sua vida?
Não consigo dizer, um, pelo que apontarei três. Como disse há pouco, comecei a ler “a sério” depois de terminar a universidade. Houve três livros que me marcaram muito nessa época. Assim, e pela ordem em que os li: “Admirável Mundo Novo”, de Aldous Huxley; “Ensaio sobre a cegueira” de José Saramago; “O amor nos tempos de cólera” de Gabriel Garcia Marques”.
Os dois primeiros emprestados por um amigo e o último foi o primeiro que eu comprei. Hoje tenho exemplares também dos primeiros, obviamente. Se não tivesse lido aqueles livros naquela altura, talvez não me tivesse tornado um leitor compulsivo e talvez não tivesse escolhido a escrita forma de expressão artística.
Do género “quem leu o livro x gostará da Antologia Sangue”, que livros escolhia?
Confesso que ainda não li o livro, estou a guardar-me para o prazer de o ler em papel. Mas penso, a partir do contacto que já tive com outros autores da antologia, que todos aqueles que gostam de ler contos e apreciam de novos autores portugueses devem aproveitar esta oportunidade para de deixar surpreender.
Por fim, o que nos pode contar sobre os seus projetos futuros?
Este foi um ano excelente para mim, com muitas participações e atividades. Além da participação na antologia “Sangue”, em setembro será lançada também a antologia “Todos temos direito a uma casa com dignidade”, terceiro livro da coleção “Despir os Preconceitos, Vestir a Inclusão”, a editar pela EAPN Portugal (Rede Europeia Anti Pobreza), em que colaboro com um conto sobre o direito à habitação.
Outro desafio muito interessante, pois foi a primeira vez que escrevi alguma coisa para a faixa etária dos 10 aos 12 anos. Posso ainda adiantar que sairá um novo romance ainda este ano. Mas, um passo de cada vez.
Para já estou a apontar todas as minhas energias para a apresentação do “Sangue”, um projeto de que é uma honra fazer parte e espero que o conto “O osso da memória” venha agradar tanto ao público, como me agradou a mim.
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