Regresso com mais uma conversa literária. A minha convidada de hoje nasceu no Barreiro e lançou em 2011 o seu primeiro romance, “Os 30 – Nada é como Sonhámos”, e a versão inglesa do mesmo fez com se tornasse a primeira autora portuguesa a atingir o Top 100 da Amazon, posteriormente já editou mais 5 livros, sendo o último, “Odeio o meu Chefe” pela Bertand, falo-vos de Filipa Fonseca Silva.

Olá Filipa, e desde já agradeço por me conceder esta entrevista.

Obrigada eu, pelo convite. 

O que se encontra a ler de momento?

Neste momento estou a ler “O Idiota” de Dostoievski, um dos meus autores preferidos que há muito não visitava.

A Filipa foi a primeira portuguesa a entrar para o top 100 da Amazon em 2014, numa altura em que em Portugal os ebooks não tinham muita adesão. Acha que, entretanto, volvidos 6 anos, as coisas melhoraram neste campo?

Não me parece que tenha mudado muito. Penso que os ebooks continuam a ser residuais quando em comparação com os livros em papel. Possivelmente o cenário inverter-se-á quando a geração Z começar a comprar os seus livros, uma vez que é a primeira geração nativa digital e sem uma ligação emocional tão grande ao livro de papel.

Este feito trouxe-lhe um reconhecimento que não tinha até então, houve uma maior pressão nas suas obras seguintes? 

O próximo livro cria sempre uma certa pressão. Se o anterior não foi bem recebido, há pressão para fazer melhor, se o anterior foi elogiado, há pressão para igualar ou superar o feito. Não no sentido de mudar temas ou estilos, mas no sentido de crescer enquanto escritor. Mas não creio tenha sido o reconhecimento que o Top 100 me deu a criar essa pressão. Ela existiria quer eu tivesse dez leitores ou um milhão. Em qualquer dos casos, vejo-a como uma pressão boa. Ou talvez a palavra certa seja estímulo. 

“Se queremos criar hábitos de leitura e queremos competir com smartphones e consolas, temos de dar aos mais novos coisas realmente empolgantes primeiro e os clássicos depois. Assim, esses jovens vão crescer a gostar realmente de livros e a comprar livros sem o estigma da erudição, sem se preocuparem se o autor do livro que lhes chamou a atenção é conhecido, sem preconceitos.”

Muito se tem falado nos últimos dias do futuro do mercado editorial em Portugal e das suas quebras de vendas, todavia é também muito fechado a novos autores. Como considera possível inverter todo este ciclo?

Penso que um dos problemas do mercado editorial, além do óbvio problema de as pessoas lerem cada vez menos, é que o livro passou a ser visto como um produto comercial, aliás até se vende em supermercados. E como em qualquer produto comercial, o que interessa são os números, e não a qualidade. Não se aposta em novos autores porque as vendas destes são sempre uma incógnita. E em anos como o que estamos a viver, a coisa piora drasticamente. As editoras só apostam no que sabem que vão vender, o que muitas vezes acaba por ser autores estrangeiros e livros de auto-ajuda.

Como inverter todo este ciclo? 

Uma ideia é incentivar a leitura desde tenra idade o que, na minha opinião, não se faz com leituras obrigatórias de clássicos. Eu tenho um filho de oito anos que teve de ler (tal como eu há 33 anos) A Fada Oriana. Os miúdos de 8 anos gostam é do Bando das Cavernas e outras colecções do género, não desfazendo na belíssima obra da Sophia de Mello Breyner. Se queremos criar hábitos de leitura e queremos competir com smartphones e consolas, temos de dar aos mais novos coisas realmente empolgantes primeiro e os clássicos depois. Assim, esses jovens vão crescer a gostar realmente de livros e a comprar livros sem o estigma da erudição, sem se preocuparem se o autor do livro que lhes chamou a atenção é conhecido, sem preconceitos. E quanto menos preconceitos, mais oportunidades para novos autores e novas formas de literatura. Resumindo, proponho uma revolução no plano nacional de leitura.


Qual é o maior desafio de auto-publicar um livro?

Sem dúvida a promoção e a distribuição. Quando se auto-publica um livro toda a promoção e distribuição da obra também está a cargo do autor. E a maioria dos autores não tem grande queda para essa vertente.

Quais as características para se conseguir vingar no mundo editorial em Portugal?

Perseverança e uma grande dose de auto-confiança. É muito fácil um autor desistir quando várias portas se fecham e ainda mais fácil começarmos a duvidar de si próprios quando as vendas não mexem ou saem críticas más.

“Amanhece na Cidade” uma das suas obras, editada em 2017 pela Bertrand Editora, onde um táxi é o narrador das mais diferentes histórias que ouve durante as suas viagens. Como surgiu o mote do livro?

Surgiu precisamente numa viagem de táxi, em que, comecei a fazer conversa com o taxista e quando dei por mim ele estava a chorar a contar-me que a mulher o tinha deixado. Nesse instante nasceu o “meu” Manuel.

Qual a maior dificuldade ao escrever uma história escrita por um objeto?

Por um lado, conjugar o distanciamento e frieza de um objecto (o táxi) com características totalmente humanas, nomeadamente os inevitáveis juízos de valor. Por outro lado, tornar o seu testemunho verosímil quando ele nunca pode sair da estrada.

Onde surgiram as ideias para as diversas histórias?Surgiram da necessidade de chamar a atenção para problemas que me inquietam. Os sem-abrigo, os refugiados, os imigrantes, o preconceito, a pressa, o alheamento social.

O seu último livro, “Odeio o meu Chefe” aborda o tema dos maus chefes numa versão humorística. Como surgiu a ideia?

A ideia surgiu como piada, de tantas histórias que ouvi de maus chefes. Muitos colegas e amigos, ao contarem-me esse tipo de histórias por vezes diziam “tu que és escritora, devias escrever um livro sobre isto”. Mas como o assédio moral nos locais de trabalho é um caso muito sério e recorrente, decidi fazê-lo numa perspectiva humorística, que divertisse quem nunca passou por isso mas que, ao mesmo tempo, servisse de consolo a quem passou. 

Teve maus chefes durante a sua vida profissional?

No meu caso, em dezenas de pessoas hierarquicamente superiores com quem trabalhei desde que saí da universidade em 2002, só três ou quatro é que posso considerar maus chefes e têm, claro está, lugar neste livro. No entanto, a maior parte das histórias que lá constam, felizmente, não se passaram comigo.

Qual dos seus livros sugeria a um leitor que nunca leu um dos seus livros? 

Eu tenho um carinho especial pelo primeiro “Os Trinta – Nada é Como Sonhámos”, mas penso que o “Amanhece na Cidade” é um livro mais transversal e que tem sido muito bem recebido por diferentes tipos de leitores.

Que autor considera uma inspiração para si? 

Embora tenha vários autores preferidos, nacionais e estrangeiros, aquele que mais me inspira é, sem dúvida, Saramago. 

Porquê?

Pelos temas abordados, pela diversidade entre livros, pela prosa irónica, pelo sentido de humor, enfim, pela genialidade. 

Por fim, tem projetos para um futuro próximo? 

Tenho um livro pronto na editora, à espera de melhores dias para ser publicado. E em Janeiro tinha começado a escrever outro que tive de interromper por causa da pandemia. É que se normalmente já é difícil conciliar a escrita com outra actividade que tenho de ter para pagar as contas, agora com duas crianças 24 horas em casa, tornou-se impossível. Para compensar, tenho escrito mais no blog e até escrevi um conto, que é um género que estou a gostar de explorar.

Onde podes conhecer mais sobre a Filipa:

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