Hoje trago-vos mais uma conversa literária. Natural do Norte, fundou em 2010 a Eucleia Editora, da qual foi editor. Trabalhou e residiu na Noruega, Suécia e Inglaterra, onde exerceu várias profissões, sendo que atualmente é tradutor literário, especialista em línguas nórdicas, falo-vos de João Reis, autor de A Noiva do Tradutor, A Avó e a Neve Russa, A Devastação do Silêncio e a sua mais recente obra Quando Servi Gil Vicente, todas editadas pela Elsinore.

Olá João, e desde já agradeço por ter acedido dar-me esta entrevista. 

Para começar, como nasceu o seu gosto pela escrita? E qual o papel da mesma na sua vida?

Olá, Liliana. Agradeço o seu interesse e a oportunidade de dar a conhecer a minha obra. 

Comecei a escrever já tardiamente (quase com 30 anos), e fui sempre, acima de tudo, um leitor. A escrita surgiu quase como uma necessidade biológica e ocupa um lugar crucial na minha vida desde 2015, conquanto não me dedique em exclusivo à escrita, claro. 

Não é muito usual os autores nacionais, principalmente dos dias de hoje, verem os seus livros traduzidos para outros idiomas. A sua primeira obra “A Noiva do Tradutor” está traduzida Qual é o sentimento de ver o seu trabalho espalhado pelo mundo?

É agradável poder alcançar outros leitores e outros países, porque a boa literatura deve ser válida em qualquer ponto do mundo. Ser publicado em inglês por uma das minhas editoras preferidas foi ótimo, até porque tive a realização dupla de ter submetido e visto o meu livro aprovado sem a ajuda de terceiros. O livro será, em princípio, traduzido para mais línguas, e espero que os restantes também o sejam. 

“É até bom sinal que certas pessoas não nos apreciem. Quem escreve deve, sobretudo, agradar a si mesmo.”

Qual acredita ser um dos problemas para que não haja esta abertura para mais autores? 

Mas essa abertura existe. Temos muitos autores nacionais a terem livros traduzidos e publicados por esse mundo fora. Talvez nunca os nossos autores tenham sido tão publicados no estrangeiro como agora. Nem sempre as obras completas dos autores, está claro. Mas vamos sendo traduzidos, sim, embora isso nem sempre encontre eco ou seja divulgado a nível nacional. Ou, quando o é, pode passar despercebido. Mas existe abertura. E não só para autores firmados a nível nacional. 

Temos autores mais jovens a serem traduzidos também. Como em tudo na vida, é preciso tentar abrir caminho. Nós também não traduzimos cá tudo o que se escreve no estrangeiro, até porque seria impossível. As editoras nacionais vão tentando estar atentas, vão escolhendo. As editoras estrangeiras fazem também as suas opções. E, depois, importa também o facto de se estar a produzir mais literatura de cariz regional ou de interesse global, e da promoção que é feita da própria língua. 

Fotografia de Pedro Granadeiro/GI

Depois de todo um trabalho e empenho numa obra como se lida com as críticas? Ou a opinião do leitor tem mais importância?

Haverá sempre quem goste e quem não goste dos nossos livros. É até bom sinal que certas pessoas não nos apreciem. Quem escreve deve, sobretudo, agradar a si mesmo. 

A partir de um certo momento, existe uma pressão extra para conseguir manter as expectativas quanto às suas obras? 

Acredito que essa é uma preocupação para muitos autores, mas, remetendo-me à experiência pessoal, sinto que apenas eu próprio exerço essa pressão sobre mim, procurando melhorar a cada livro. Chego ao ponto de não me rever em escritos do passado. Em termos de pressão externa, posso confessar que senti talvez o oposto: uma pressão para aligeirar um certo tom dito mais literário com o intuito de melhorar as vendas. 

Afirmou numa entrevista que pretende recriar-se em cada livro que escreve, é algo que obriga a uma auto-exigência maior, e uma consequente autocrítica superior?

Sim, sem dúvida. A minha intenção é a de me aproximar o mais possível do tema, do narrador e da época que retrato, não me limitando a escrever sempre o mesmo livro. Isto, obviamente, acarreta mais trabalho a nível de escrita e um maior risco de perder leitores. 

O seu segundo romance, “A Avó e a Neve Russa” foi escrito no decurso de uma residência literária no Canadá, como surgiu essa oportunidade e como foi essa experiência? 

Obtive essa residência em Montreal após vencer um concurso promovido, em 2015, pelo Clube de Artes e Ideias e pelo CALQ. Foi uma boa experiência, a minha primeira residência literária e, até hoje, a mais prolífica e aquela onde me senti melhor (muito por conta das condições oferecidas pela parte canadiana e por adorar Montreal). 

O seu último livro é “Quando Servi Gil Vicente”, qual foi o mote para esta obra?

Sempre ambicionei escrever um romance pícaro, e escrever uma obra narrada por um fictício assistente de Gil Vicente que utiliza uma linguagem arcaica deu-me um prazer especial. Os restantes condimentos são os habituais para quem vê o ser humano da minha perspetiva. 

Qual dos seus livros aconselharia a alguém que nunca leu nenhum? Qual considera ser o ideal para iniciar?

Creio que o meu livro mais conseguir é Quando servi Gil Vicente, mas este poderá também ser o mais difícil de ler para leitores menos experientes. Aconselharia talvez o primeiro: A Noiva do Tradutor. 

“É positivo que se dê mais importância à tradução, que os leitores percebam que um livro escrito originalmente numa outra língua não surge em língua portuguesa por magia, mas sim pelo esforço de alguém.”

A sua profissão é também ligada ao mundo editorial, enquanto tradutor de idiomas nórdicos. Sente que tem havido nos últimos anos um interesse por parte das editoras em autores desta belíssima região?

Não creio que o interesse seja sobremaneira evidente, apesar das ajudas financeiras atribuídas a estas traduções. A maioria dos livros escandinavos traduzidos por cá continua a ser do género policial, assim como livros práticos, de culinária, autoajuda, etc. A literatura escandinava traduzida tem até diminuído em número de obras publicadas, e certas editoras que tinham por hábito traduzir sempre do original, como a Cavalo de Ferro, começam a apostar agora em traduções indiretas, o que não é bom sinal. 

Cada vez mais se dá atenção à tradução quando se está a ler. Esta exigência do leitor acaba por ser repercutida no trabalho do tradutor?

É positivo que se dê mais importância à tradução, que os leitores percebam que um livro escrito originalmente numa outra língua não surge em língua portuguesa por magia, mas sim pelo esforço de alguém. Porém, a verdade é que as condições de trabalho oferecidas aos tradutores literários não têm melhorado, o que tem relação com as próprias características do mercado editorial português (poucos leitores para os livros publicados). Por outro lado, ao nível do trabalho do tradutor propriamente dito, se formos sérios, consideramos sempre que o leitor é exigente. E tentamos sempre não trair demasiado seja qual for o livro que estejamos a transpor para português. 

Se tivesse a oportunidade de se encontrar com uma personalidade, viva ou não, qual escolheria? Porquê?

Com nenhuma, sou pouco sociável e a maioria das pessoas não tem nada de interessante a dizer. Talvez gostasse de conversar com o meu ídolo Céline, mas não sei se ele teria vontade de falar. 

E o que lhe perguntaria?

Como enriquecer e não trabalhar mais? 


E por fim, tem planos para obras futuras a curto prazo?

Tenho dois romances escritos que aguardam edição. Algo que não depende de mim, claro. E estou a escrever um romance em inglês. 

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Já leram algum dos livros do João Reis? Conheciam o autor?

Boas leituras e até à próxima!

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