Hoje a conversa é com um autor ainda pouco conhecido do público em geral, mas que já conta com cinco livros publicados. A conversa é com Sebastião Alves, que recentemente publicou, pela Cultura Editora, O Homem Certo É Difícil de Encontrar. Convido-vos a conhecer melhor o autor e as suas obras.

Olá Sebastião, e antes de mais agradeço a sua disponibilidade para conversar comigo.
Como é que um engenheiro químico ganha amor pela escrita?

Provavelmente estava a escrever quando a minha mãe me deu à luz. Por isso acho que a pergunta devia ser virada do avesso: como é que um escritor nato se torna professor de engenharia química?

Prudência?

Tinha medo de ser professor do secundário e não queria ficar no desemprego. De forma que não fui para letras, segui o conselho do meu pai, até porque o curso de engenharia química era rico em ciências fundamentais, indispensáveis para quem se interessa por filosofia.

Ora o tempo não estica… a filosofia ficou para trás. O que sobrou foram a escrita e a engenharia, de que aprendi a gostar de ensinar.

Durante muitos anos escreveu apenas poesia, o que o inspirava?

Donde é que vem a inspiração? Donde é que vem a culpa? O desejo? Mergulho em mim e é um poço sem fundo, um labirinto de becos sem saída. Nunca me aproximo do Senhor das minhas ações.

A inspiração acontece-nos, e não sabemos como. O mais que podemos é criar condições para que aconteça. É estarmos atentos ao que se passa à nossa volta.

Porquê começar a escrever ficção?

Era um jovem de 45 anos, a minha poesia estava num beco sem saída. Repetia-me. Eram as mesmas imagens, ecos e espelhos, pedras e água, poços sem fundo e quedas sem desfecho. Tinha de arranjar uma solução.

Já tinha tentado escrever contos, mas sem convicção. A poesia tinha a vantagem da satisfação mais imediata, mas estava a secar e tive de atirar-me à ficção com a aflição de quem precisa de salvar a pele.

Então, ao cabo de muitas ideias falhadas, vinha do Cais do Sodré a pé para o Técnico, tive a ideia de escrever sobre um velho que está a perder a memória.

E descobri que era capaz de escrever diálogos e articular um enredo. Foi um deslumbramento.

Publicou em 2011 um livro de contos intitulado de O Caracol Estrábico. Dos doze contos que escreveu qual foi o seu favorito e qual foi o mais excitante de escrever?

O Caracol Estrábico foi o primeiro livro que publiquei, mas não foi o primeiro que escrevi. Esse foi O Colecionador de Amnésias, publicado em 2014. Depois descobri que o conto era o meu elemento e todos os contos me deram muito gozo a escrever.

Se tiver de escolher um, escolho precisamente aquele que dá nome ao livro, O Caracol Estrábico, sobre um jovem que acha que é um génio.

O conto tem uma particularidade: mistura prosa com haiku, quer do narrador, quer de mestres japoneses, sem que os poemas atrapalhem o andamento da história. Nesse aspeto seria original, se não houvesse já narrativas japonesas que também o fazem, nomeadamente de Bashô.

Os seus dois primeiros romances O Colecionador De Amnésias e O Velho Que Pensava Que Fugia as suas personagens principais são idosos. Foi uma coincidência, ou é um é algo que gosta de retratar nas suas histórias?

Não sei. Mas acresce que dois dos meus livros preferidos são “O velho e o mar” e “O velho que lia romances de amor”.

Por outro lado, os meus últimos romances publicados já não falam de velhotes, e têm mulheres por heroínas.

Será outra coincidência?

Prevê reeditar algum destes livros?

Previsões não tenho.

É claro que ninguém fica feliz por ter editado nesse buraco negro que é uma editora como a Chiado.

Se tiver sucesso com os outros livros, tentarei reeditar estes numa editora tradicional, como a Cultura.

Senhora Do Amor E Da Guerra foi o seu primeiro romance histórico. Como surgiu a ideia para o enredo?

O meu pai tinha uma biblioteca com 2000 livros, vasta e caótica, que na minha adolescência ele me deixou organizar. Aí encontrei um livrinho intitulado “A História começa na Suméria”, divulgação escrita por um famoso especialista na Suméria.

E o fascínio ficou.

Mais tarde, já não sei quando, passou-me pela cabeça a ideia de que a escrita teria sido inventada por duas crianças que desenhavam palavras, jogando às adivinhas nas margens do Eufrates.

É claro que a escrita não foi inventada assim, nem foi inventada de uma só vez. Mas esta foi uma ideia que não me abandonou durante décadas, até me sentir capaz de a desenvolver.

A história passa-se na Mesopotâmia, 3000 a.C., quanto tempo dedicou a investigar para este livro?

Não consigo precisar. A investigação foi acontecendo paulatinamente ao longo de décadas. Sempre que encontrava um livro sobre o assunto, comprava. É claro que o processo se acelerou quando terminei “O velho que pensava que fugia” e me vi sem outras ideias.

Nunca me sentira à altura de escrever um romance em que seria necessário reconstituir a vida numa cidade proto-histórica. Mas encontrava-me de novo num beco sem saída.

Meti mãos à obra.

O seu mais recente livro é de um género completamente diferente dos anteriores, é um mistério curto, intitulado de O Homem Certo É Difícil De Encontrar. Quando começou a escrever tinha toda a história delineada? Sabia exatamente onde ia terminar? O que o motivou a escrever este livro?

Quando acabei “Senhora do Amor e da Guerra” perguntei-me: o que vou escrever a seguir?

E se calhar a ideia já lá estava, sem eu saber: encomendei a mim mesmo um romance sobre violência doméstica. É um assunto que mexe comigo. Como bullying, como racismo, como trabalho infantil e outras coisas piores…

E é claro que não tinha ideia de como seria o final. Mas fui muito rápido a estabelecer que o prevaricador não acabaria bem! Pensei logo que poderia haver uma vingança, e a primeira ideia que me veio à cabeça foi: uma noite ela corta-lhe o pescoço.

Então surgiu a ideia da explosão de gás e o mistério subsequente…

Publicou alguns livros na Chiado Editora, mais recentemente publicou pela Cultura Editora. São duas editoras diferentes na sua essência. Como foi esta mudança?

Aconteceu assim que foi possível. Por escolha, teria logo publicado O Caracol Estrábico na Leya, mas nunca acusaram sequer receção dos meus manuscritos, aliás como 95% das editoras. Recorri à Chiado como faz quem não tem melhor escolha. Quando consegui convencer uma editora tradicional como a Cultura, mudei logo.

E que lições retira da sua experiência de publicação?

Publicar na Chiado é fazer uma festa de lançamento, ficar com livros para distribuir pelos amigos e colegas, e ver o livro desaparecer num buraco negro.

Publicar na Cultura foi muito diferente. Encontrei pessoas interessadas pelo livro e um editor experiente que me disse logo: “O livro não precisa de alterações, mas o título tem de ser outro”. E eu acatei: “O Tempo das Adivinhas”, passou a intitular-se “Senhora do Amor e da Guerra”.

E vi o livro nos escaparates. Se as vendas não levantaram voo, já não posso desculpar-me que foi por má distribuição.

E o que gostava que lhe tivessem contado quando estava a entrar neste mundo dos livros?

Nada de especial. Não contava que fosse tão difícil publicar, nem que fosse tão difícil ter sucesso depois de ter publicado, mas também não precisava de saber. Tudo teria decorrido da mesma forma…

Que livro gostaria de ter escrito?

Os que ainda não escrevi.

Mas não quero fugir com o rabo à seringa. Está a perguntar pelo livro da minha vida, e não é nada fácil. São tantos…

Se me torturarem até ter que dar uma resposta única digo: “O Livro da Selva” de Rudyard  Kipling.

Que autores são para si uma inspiração?

Não tenho modelos, ou melhor, tenho tantos que não sei destacar um.

Gosto de uma prosa límpida que não se interponha entre o leitor e a história. A prosa de Selma Lagerlöf? A do Gabriel Garcia Marquez também é límpida, mas com cintilações. É deliciosa e trata-se do único autor a quem consigo aturar o realismo mágico. Já a prosa excessiva, (embora reconheça que é genial) do Gonçalo Tavares rapidamente me cansa.

Procuro escrever histórias com personagens de carne e osso, verosímeis, mas de preferência com um final insólito ou uma surpresa. Também gosto de experimentar técnicas de narrativa, mas não quero que o leitor se aperceba. O meu modelo é o beneditino do poeta brasileiro Olavo Bilac:

Longe do estéril turbilhão da rua,
beneditino, escreve! No aconchego
do claustro, na paciência e no sossego,
trabalha, e teima, e lima, e sofre, e sua!

Mas que na forma se disfarce o emprego
do esforço; e a trama viva se construa
de tal modo, que a imagem fique nua,
rica mas sóbria, como um templo grego.

Não se mostre na fábrica o suplício
do mestre. E, natural, o efeito agrade,
sem lembrar os andaimes do edifício:

porque a Beleza, gêmea da Verdade,
arte pura, inimiga do artifício,
é a força e a graça na simplicidade.

Por fim, o que nos pode contar sobre os projetos futuros?

Para publicação, assim que o editor ache conveniente, tenho várias hipóteses já escritas: três romances curtos, um dos quais bastante original, e contos suficientes para um livro substancial.

Por escrever, nunca se sabe. Para já, trabalho noutro livro de contos que acontecem em várias fases da história da Humanidade. Já tenho concluído um conto bastante grande concluído, sobre a Torre de Babel, tenho outro alinhavado, sobre uma mutação de homo habilis para homo erectus, com implicações dramáticas na gravidez, e outro, apenas imaginado, sobre o Tédio, doença terminal da Humanidade.

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